Tecnologia Científica

Plana, minaºscula e ultrafina: cientistas da USP criam lente impossí­vel
Mil vezes mais fina que um fio de cabelo, tecnologia podera¡ ser usada em ca¢meras de celular para torna¡-las mais baratas
Por Henrique Fontes - 31/07/2020


Pela­culas feitas de sila­cio (ca­rculos estampados na lâmina) funcionam como uma lente fotogra¡fica osFoto: Henrique Fontes osSEL/USP

Pesquisadores da Escola de Engenharia de Sa£o Carlos (EESC) da USP desenvolveram uma pela­cula feita de sila­cio que émil vezes mais fina que um fio de cabelo e podera¡ funcionar como uma lente fotogra¡fica, semelhante a s de ca¢meras de smartphone. A tecnologia inanãdita permite que o usua¡rio veja imagens em até180 graus, mesmo a¢ngulo proporcionado pelas famosas lentes olho-de-peixe. No meio cienta­fico, essa funcionalidade atéentão era considerada impossí­vel de ser obtida em lentes totalmente planas, como a que foi construa­da pela EESC. Os resultados do trabalho geraram um artigo que foi publicado na ACS Photonics, revista cienta­fica norte-americana da área de Fota´nica, campo da ciência dedicado a estudar a luz.

A nova lente pesa aproximadamente dois microgramas, possui cerca de 230 nana´metros de espessura e tem uma área de 3,14 mila­metros quadrados. Segundo os cientistas, a expectativa éde que o material ajude a enfrentar um dos principais desafios no desenvolvimento de dispositivos a³ticos: fabricar lentes cada vez mais poderosas, poranãm com tamanhos cada vez menores. “O maior benefa­cio da nossa lente éque ela émuito fina, então promete ser mais barata de ser produzida se comparada a s convencionais, que são grandes e esfanãricas. Como se trata de umasuperfÍcie plana, émais fa¡cil coloca¡-la em um circuito integrado, o que simplifica a parte meca¢nica do dispositivo”, explica Augusto Martins, autor do estudo e doutorando do Programa de Pa³s-Graduação em Engenharia Elanãtrica da EESC.

Além do pequeno tamanho, outra vantagem da pela­cula de sila­cio éque ela podera¡ atuar sozinha dentro do celular, sem a necessidade de incorporar lentes complementares para obter imagens em alta resolução, como acontece nas ca¢meras comuns. Isso contribuira¡ para diminuir ainda mais o porte dos sistemas a³ticos e, consequentemente, dos dispositivos ma³veis. “Essa éa primeira lente do mundo formada por uma única camada capaz de gerar imagens que cubram todo o campo de visão”, afirma Emiliano R. Martins, um dos orientadores da pesquisa e professor do Departamento de Engenharia Elanãtrica e de Computação (SEL) da EESC.

Durante a pesquisa, que foi financiada pela Fundação de Amparo a  Pesquisa do Estado de Sa£o Paulo (Fapesp), Augusto Martins construiu um prota³tipo de uma ca¢mera com a ajuda de uma impressora 3D para testar a sua lente. Os resultados foram animadores. Imagens em alta resolução foram obtidas na cor verde, que por enquanto éa única na qual a pela­cula consegue operar. A ideia, segundo o pesquisador, éque nos pra³ximos meses a lente seja aprimorada para que todas as cores possam ser visualizadas.

Para chegarem atéa composição da nova lente, os cientistas adotaram como ponto de partida as próprias lentes tradicionais e trabalharam com um para¢metro chamado a­ndice de refração, que mede o quanto a velocidade da luz diminui ao incidir sobre umasuperfÍcie osquanto maior for esse a­ndice, menor éa velocidade de propagação da luz pelo material. Em simulações realizadas no computador, eles perceberam que, conforme ampliavam o a­ndice de refração de uma lente esfanãrica convencional e simultaneamente a deixavam mais plana, mais o campo de visão dela se abria e a qualidade da imagem melhorava. Em certo momento, quando ela ficou 100% plana, era preciso que seu a­ndice de refração fosse infinito, o que, na prática , faria com que a luz não se propagasse por ela, algo impossí­vel de acontecer. No entanto, como a pela­cula de sila­cio desenvolvida pelos pesquisadores possui princa­pios fa­sicos diferentes das lentes comuns, ela foi capaz de imitar o comportamento a³tico da lente esfanãrica com a­ndice infinito, ou seja, passou a atuar como uma lente impossí­vel.


Pesquisadores criaram um prota³tipo de ca¢mera fotogra¡fica para testar a pela­cula
desenvolvida osFoto: Augusto Martins

De onde vem a tecnologia?

A lente desenvolvida pela USP éum tipo de metalente, que estãoinserida no conceito de metassuperfa­cie osconjunto de nanoestruturas que conseguem controlar as propriedades da luz. Descoberta hápoucos anos, essa tecnologia pode ser aplicada em uma sanãrie de segmentos além da produção de lentes, como em segurança da informação, na fabricação de componentes de informa¡tica e no entretenimento. No ano passado, por exemplo, Augusto participou do desenvolvimento de uma metassuperfa­cie capaz de gerar hologramas em trêsDimensões e com mais qualidade.

Ao contra¡rio das lentes comuns, que precisam de uma espessura maior para gerar imagens com nitidez, as metalentes utilizam nanopostes microsca³picos inseridos em suasuperfÍcie plana capazes de “prender” e focar a luz do ambiente, fazendo com que as imagens sejam projetadas. a‰ como se elas fossem rodovias construa­das para não deixar os carros (as luzes) saa­rem dela. Em 2016, pesquisadores da Universidade Harvard, dos Estados Unidos, desenvolveram a primeira metalente do mundo capaz de tirar fotos, mas ela tinha uma limitação: seu campo de visão era de apenas 0,5 grau, a¢ngulo que permite enxergar apenas o que estãoa  sua frente.

Agora, além de expandirem a operação da metalente para outras cores, os cientistas da EESC esperam nas próximas etapas do estudo aumentar a eficiência da pela­cula, melhorar ainda mais sua resolução e aplica¡-la em sistemas a³ticos mais complexos. Por enquanto, ainda não háprevisão de quando a tecnologia deve chegar ao mercado. A pesquisa também teve a orientação do professor Ben-Hur Viana Borges, do SEL, e contou com a colaboração de pesquisadores da Universidade de York, do Reino Unido, e da Universidade Sun Yat-sen, da China.

 

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