Tecnologia Científica

Bactanãrias da folha da laranja podem reduzir impacto de agrota³xicos na natureza
Pesquisadores da USP identificaram microrganismos capazes de degradar dois inseticidas muito utilizados no Brasil
Por Henrique Fontes - 08/09/2020


Bactanãrias do gaªnero Bacillus mostraram-se eficazes na biodegradação de dois pesticidas muito usados no Brasil: a Bifentrina e o Fipronil osFoto: Henrique Fontes osIQSC/USP
 
Ouso indiscriminado de agrota³xicos gera uma sanãrie de impactos ao meio ambiente. Dependendo da forma como são aplicados e da dose empregada nas plantações, os produtos podem se acumular no solo, rios ou nas próprias hortalia§as, afetando insetos que vivem no local, como as abelhas, e poluindo recursos ha­dricos. Os riscos também atingem os seres humanos, que podem se intoxicar pela exposição aos agroquímicos ou por meio do consumo de alimentos contaminados. Encontrar alternativas para eliminar esses compostos depositados na natureza foi o que motivou pesquisadores do Instituto de Quí­mica de Sa£o Carlos (IQSC) da USP a estudarem bactanãrias do gaªnero Bacillus extraa­das dasuperfÍcie das folhas da laranja. Eles descobriram que esses microrganismos produzem enzimas capazes de biodegradar dois pesticidas muito utilizados na agricultura brasileira: a Bifentrina e o Fipronil.

Como as bactanãrias habitam o mesmo ambiente onde os produtos químicos são aplicados e, mesmo assim, se mantem “vivas”, a hipa³tese dos cientistas era de que elas conseguissem eliminar os agrota³xicos. Para comprovar a teoria, eles realizaram inúmeros testes no Laborata³rio de Quí­mica Orga¢nica e Biocata¡lise do IQSC. Diversas espanãcies de Bacillus extraa­das de folhas de laranja de uma plantação em Tabatinga (SP) foram colocadas em frascos que continham pequenas amostras dos agroqua­micos. Apa³s cinco dias de experimentos, alguns resultados chamaram a atenção: a bactanãria Bacillus amyloliquefaciens conseguiu biodegradar 93% do Fipronil, enquanto a bactanãria Bacillus pseudomycoides eliminou 88% da Bifentrina. “Elas promoveram reações de biodegradação dos pesticidas, mostrando potencial para eliminar tais agentes ta³xicos lana§ados no meio ambiente. Essa atividade dos microrganismos representa uma importante função ambiental de remediação desses produtos,” afirma Juliana G. Viana, autora do trabalho e doutoranda do IQSC.

Bactanãrias foram colocadas em frascos que continham amostras de pesticidas
 Foto: Henrique Fontes osIQSC/USP

A pesquisadora, que teve sua pesquisa financiada pela Fundação de Amparo a  Pesquisa do Estado de Sa£o Paulo (Fapesp), também testou como seria o desempenho de grupos de bactanãrias do gaªnero Bacillus atuando juntas contra os agrota³xicos. Oito linhagens dos microrganismos, de diferentes espanãcies, foram colocadas para reagir com os produtos químicos e alcana§aram uma degradação de 81% do Fipronil e de 51% da Bifentrina. Segundo explica o professor AndréLuiz M. Porto, do IQSC, que orientou o trabalho, quando as bactanãrias estãoem conjunto, pode haver competição por espaço e nutrientes, “desviando o foco” do combate aos pesticidas. Isso de certa forma justifica a taxa de biodegradação um pouco inferior ou mais lenta nos testes com bactanãrias trabalhando em equipe.

Cientistas do Instituto de Quí­mica de Sa£o Carlos (IQSC) estudam diversas espanãcies
de bactanãrias extraa­das da natureza. osFoto: Henrique Fontes osIQSC/USP

Banidos na Unia£o Europeia, tanto o Fipronil como a Bifentrina são empregados no Brasil como inseticida e formicida em diversos tipos de plantações, como em culturas de citros, tomate, batata, milho, arroz, soja, feija£o, entre outras. Além de sua aplicação no campo, o Fipronil também éutilizado para matar pulgas e carrapatos em ca£es, podendo gerar riscos aos animais, se administrado incorretamente. Em abelhas, os dois produtos são capazes de atingir o sistema nervoso das polinizadoras e leva¡-las a  morte, acarretando problemas não são para o ser humano, que perderia uma população de insetos responsável pela polinização de flores que produzem diversos tipos de alimentos, mas também para a economia. Segundo estudo realizado pela Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Servia§os Ecossistemicos (BPBES), em parceria com a Rede Brasileira de Interações Planta-Polinizador (Rebipp), o valor do trabalho prestado pelos animais polinizadores a  agricultura brasileira gira em torno de R$ 43 bilhaµes por ano.

O desenvolvimento econa´mico brasileiro estãovoltado principalmente para as atividades agra­colas, cena¡rio que contribui para o Brasil ser o maior consumidor de agrota³xicos do mundo. De acordo com o Censo Agropecua¡rio 2017, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estata­stica (IBGE), entre 2006 e 2017 o Paa­s registrou um aumento de 20% no número de propriedades rurais que utilizam os produtos qua­micos.

Embora sejam importantes para evitar a ação de pragas invasoras nas mais diversas plantações, a falta de controle e, muitas vezes, de informação sobre as recomendações de uso dos agrota³xicos podem torna¡-los prejudiciais tanto para o meio ambiente, que tera¡ acaºmulo dessas substâncias em diferentes locais, como para as pessoas, que podem se prejudicar pela inalação, ingestãoou contato dos produtos com a pele e mucosas. Levantamento feito pela Coordenação de Vigila¢ncia Ambiental do Ministanãrio da Saúde revela que, entre 2007 e 2017, ocorreram 29.472 casos de intoxicações acidentais por agrota³xicos no Sistema Nacional de Agravos de Notificação (Sinan), sendo que somente em 2016 foram registrados 416 a³bitos por esta causa.

Segundo os pesquisadores do IQSC, as bactanãrias estudadas no instituto tem potencial para serem utilizadas por agricultores na eliminação de resqua­cios de agrota³xicos nas plantações e para evitar a contaminação de outros seres vivos e dos recursos naturais. “Apa³s cumprirem seu papel de proteção aos cultivos, esses produtos precisam ter um destino final, não podem ficar no meio ambiente. Para isso, estamos trabalhando em uma alternativa sustenta¡vel, utilizando a própria natureza para preserva¡-la e nos proteger”, finaliza Porto.

 

.
.

Leia mais a seguir