Tecnologia Científica

O modelo analisa como os va­rus escapam do sistema imunológico
Usando este sistema computacional, os pesquisadores podem identificar as sequaªncias de protea­nas virais que poderiam ser alvos de vacinas melhores.
Por Anne Trafton - 19/01/2021


A mutação rápida permite que alguns va­rus evitem os anticorpos gerados por uma vacina especa­fica. Créditos: Imagem: CDC, Douglas Jordan, Christine Daniloff, MIT

Uma das razões pelas quais étão difa­cil produzir vacinas eficazes contra alguns va­rus, incluindo influenza e HIV, éque esses va­rus sofrem mutações muito rapidamente. Isso permite que eles evitem os anticorpos gerados por uma vacina especa­fica, por meio de um processo conhecido como "fuga viral".

Os pesquisadores do MIT desenvolveram agora uma nova maneira de modelar computacionalmente o escape viral, com base em modelos que foram originalmente desenvolvidos para analisar a linguagem. O modelo pode prever quais seções das protea­nas dasuperfÍcie viral tem maior probabilidade de sofrer mutação de forma a permitir o escape viral e também pode identificar seções com menor probabilidade de sofrer mutação, tornando-as bons alvos para novas vacinas.

“A fuga viral éum grande problema”, diz Bonnie Berger, professora de matemática da Simons e chefe do grupo de Biologia e Computação do Laborata³rio de Ciência da Computação e Inteligaªncia Artificial do MIT. “O escape viral da protea­na desuperfÍcie da gripe e da protea­na dasuperfÍcie do envelope do HIV são altamente responsa¡veis ​​pelo fato de não termos uma vacina universal contra a gripe, nem uma vacina contra o HIV, que causam centenas de milhares de mortes por ano. ”

Em um estudo publicado hoje na Science , Berger e seus colegas identificaram possa­veis alvos para vacinas contra influenza, HIV e SARS-CoV-2. Desde que o artigo foi aceito para publicação, os pesquisadores também aplicaram seu modelo a s novas variantes do SARS-CoV-2 que surgiram recentemente no Reino Unido e na áfrica do Sul. Essa análise, que ainda não foi revisada por pares, sinalizou sequaªncias genanãticas virais que devem ser investigadas quanto ao seu potencial de escapar das vacinas existentes, dizem os pesquisadores.

Berger e Bryan Bryson, professor assistente de engenharia biológica no MIT e membro do Ragon Institute of MGH, MIT e Harvard, são os autores seniores do artigo, e o autor principal éo estudante de graduação do MIT Brian Hie.

A linguagem das protea­nas

Diferentes tipos de va­rus adquirem mutações genanãticas em taxas diferentes, e o HIV e a gripe estãoentre os que sofrem mutações mais rápidas. Para que essas mutações promovam o escape viral, elas devem ajudar o va­rus a mudar a forma de suas protea­nas desuperfÍcie para que os anticorpos não possam mais se ligar a elas. No entanto, a protea­na não pode mudar de uma forma que a torne não funcional. 

A equipe do MIT decidiu modelar esses critanãrios usando um tipo de modelo computacional conhecido como modelo de linguagem, da área de processamento de linguagem natural (PNL). Esses modelos foram originalmente projetados para analisar padraµes na linguagem, especificamente, a frequência com que certas palavras ocorrem juntas. Os modelos podem então fazer previsaµes de quais palavras podem ser usadas para completar uma frase como “Sally comeu ovos para ...”. A palavra escolhida deve ser gramaticalmente correta e ter o significado correto. Neste exemplo, um modelo de PNL pode prever "caféda manha£" ou "almoa§o".

A principal conclusão dos pesquisadores foi que esse tipo de modelo também pode ser aplicado a informações biológicas, como sequaªncias genanãticas. Nesse caso, a grama¡tica éana¡loga a s regras que determinam se a protea­na codificada por uma determinada sequaªncia éfuncional ou não, e o significado sema¢ntico éana¡logo a se a protea­na pode assumir uma nova forma que a ajuda a evitar anticorpos. Portanto, uma mutação que permite o escape viral deve manter a gramaticalidade da sequaªncia, mas alterar a estrutura da protea­na de uma forma útil.

“Se um va­rus quer escapar do sistema imunológico humano, ele não quer sofrer mutação de forma que morra ou não possa se replicar”, diz Hie. “Ele quer preservar a boa forma, mas se disfara§ar o suficiente para que seja indetecta¡vel pelo sistema imunológico humano”.

Para modelar esse processo, os pesquisadores treinaram um modelo de PNL para analisar padraµes encontrados em sequaªncias genanãticas, o que permite prever novas sequaªncias que tem novas funções, mas ainda seguem as regras biológicas da estrutura da protea­na. Uma vantagem significativa desse tipo de modelagem éque ele requer apenas informações de sequaªncia, que são muito mais fa¡ceis de obter do que estruturas de protea­nas. O modelo pode ser treinado em uma quantidade relativamente pequena de informações - neste estudo, os pesquisadores usaram 60.000 sequaªncias de HIV, 45.000 sequaªncias de influenza e 4.000 sequaªncias de coronava­rus.

“Os modelos de linguagem são muito poderosos porque podem aprender essa estrutura de distribuição complexa e obter alguns insights sobre a função apenas a partir da variação de sequaªncia”, diz Hie. “Temos este grande corpus de dados de sequaªncia viral para cada posição de aminoa¡cido, e o modelo aprende essas propriedades de co-ocorraªncia e co-variação de aminoa¡cidos entre os dados de treinamento.”

Bloqueando fuga

Uma vez que o modelo foi treinado, os pesquisadores o usaram para prever as sequaªncias da protea­na spike do coronava­rus, da protea­na do envelope do HIV e da protea­na hemaglutinina (HA) da influenza que teriam mais ou menos probabilidade de gerar mutações de escape.

Para influenza, o modelo revelou que as sequaªncias com menor probabilidade de sofrer mutação e produzir escape viral estavam no caule da protea­na HA. Isso éconsistente com estudos recentes que mostram que os anticorpos que tem como alvo o caule do HA (que a maioria das pessoas infectadas com a gripe ou vacinadas contra ela não desenvolve) podem oferecer proteção quase universal contra qualquer cepa da gripe.

A análise do modelo de coronava­rus sugeriu que uma parte da protea­na spike chamada subunidade S2 tem menos probabilidade de gerar mutações de escape. A questãoainda permanece quanto a  rapidez com que o va­rus SARS-CoV-2 sofre mutação, por isso não se sabe por quanto tempo as vacinas que estãosendo implantadas para combater a pandemia de Covid-19 permanecera£o eficazes. A evidência inicial sugere que o va­rus não sofre mutação tão rapidamente quanto a gripe ou o HIV. No entanto, os pesquisadores identificaram recentemente novas mutações que apareceram em Cingapura, áfrica do Sul e Mala¡sia, que eles acreditam que devem ser investigadas para o escape viral em potencial (esses novos dados ainda não foram revisados ​​por pares).

Em seus estudos sobre o HIV, os pesquisadores descobriram que a regia£o hipervaria¡vel V1-V2 da protea­na tem muitas mutações de escape possa­veis, o que éconsistente com achados anteriores, e também encontraram sequaªncias que teriam menor probabilidade de escape.

Os pesquisadores agora estãotrabalhando com outros para usar seu modelo para identificar possa­veis alvos para vacinas contra o câncer que estimulam o pra³prio sistema imunológico do corpo a destruir tumores. Eles dizem que também pode ser usado para desenvolver medicamentos de pequenas moléculas que podem ter menor probabilidade de provocar resistência, para doenças como a tuberculose.

“Existem tantas oportunidades, e o que ébonito étudo de que precisamos são dados de sequaªncia, que são fa¡ceis de produzir”, diz Bryson.

A pesquisa foi financiada pela National Defense Science and Engineering Graduate Fellowship do Departamento de Defesa e pela National Science Foundation Graduate Research Fellowship.

 

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