Manãtodo inovador de medição de energia em física qua¢ntica étestado em estudo internacional
Experimento obteve medida de calor em um sistema qua¢ntico, que não édescrito por nenhum modelo da física cla¡ssica

Pesquisadores Jaºlio Larrea (a esquerda) e Fernando Almeida discutindo a preparação do experimento para a medição de calor especafico sob altas pressaµes osFoto: Reprodução do Artigo
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Na física, sistemas qua¢nticos são aqueles em que o comportamento das molanãculas, a¡tomos epartículas não pode ser descrito por nenhum modelo cla¡ssico. Um exemplo éum sistema qua¢ntico de spins. O spin pode ser definido como a manifestação qua¢ntica da rotação dos elanãtrons (que sãopartículas com carga elanãtrica dentro dos a¡tomos). Quando vários elanãtrons apresentam uma mesma rotação, ou seja, um mesmo spin, se diz que todo o sistema se encontra num mesmo estado, que échamado de fase qua¢ntica. Mudanças entre fases qua¢nticas ou transições de fase qua¢ntica podem acontecer sob condições extremas de temperaturas muito baixas, pressão e campos magnanãticos altos, o que torna impossível medir suas propriedades, como o calor (quantidade de energia) pelas técnicas tradicionais.
No Instituto de Fasica (IF) da USP, um experimento realizado pelo professor Jaºlio Larrea, com colaboração internacional, testou uma técnica inovadora para medir com alta precisão o calor existente em um sistema qua¢ntico com temperaturas próximas ao zero absoluto (273 graus Celsius negativos), altas pressaµes e intensos campos magnanãticos. Por meio do manãtodo, os fasicos verificaram que as transições de fase em um sistema qua¢ntico de spins tem caracteristicas semelhantes a s da passagem da águado estado gasoso para o laquido. Os resultados do trabalho podera£o auxiliar no desenvolvimento de aplicações que exijam transporte de energia sem perdas, como sistemas de computação com altassima capacidade de processamento, em que énecessa¡rio medir a energia retida na forma de calor.
O trabalho éapresentado em artigo publicado no site da revista Nature em 14 de abril deste ano. Os resultados do experimento mostram que a transição de fase no sistema qua¢ntico de spins, quando acontece a mudança de estado, ésemelhante a que acontece quando a águapassa do estado laquido para o gasoso.
“Quando a águaferve a 100 graus Celsius, em pressão atmosfanãrica, observamos que o laquido muda para gás, ou seja, vapor, poranãm nesta transição de fase que se inicia em pressaµes e temperaturas menores, o laquido e o gás coexistem ao mesmo tempo, causando um salto abrupto na densidade daspartículas, o que échamado pelos fasicos de transição de fase primeira ordem ou transição de fase descontanuaâ€, explica o professor. “No sistema qua¢ntico de spins, onde a transição de fase qua¢ntica acontece na temperatura de zero absoluto, em pressão cratica, dois estados de spin, ou seja, duas rotações diferentes dos elanãtrons, coexistem simultaneamente, indicados por um salto descontanuo na densidade dos spins, o que éclassificado como transição de fase qua¢ntica de primeira ordem.â€
De acordo com Larrea, na a¡gua, com o aumento de temperatura e a pressão (a naveis mais altos que a pressão atmosfanãrica), a transição de fase de primeira ordem termina em umnívelde pressão e temperatura chamado de ponto crítico da a¡gua. “Nesse momento, não hámais mudança abrupta na densidade departículas devido a formação de um aºnico estado, chamado de superfluido. Esse ponto crítico échamado de transição de segunda ordem ou transição de ordem contanuaâ€, relata. “No sistema qua¢ntico de spins, a transição de fase de primeira ordem também termina em um ponto cratico. A diferença éque, ao contra¡rio da a¡gua, não háum aºnico estado, mas diferentes configurações e ordenamentos dos spins. Isso acontece porque no mundo qua¢ntico, de certa forma, existem muitas possibilidades de aspartículas qua¢nticas se manifestarem, se ordenarem ou se correlacionarem.â€
Para entender como acontece a transição de fase no sistema qua¢ntico, foi necessa¡rio medir suas propriedades físicas emnívelqua¢ntico, por meio da técnica de calor especafico, que mede a quantidade de energia interna do sistema retido como calor. “Conseguimos pela primeira vez medir com alta precisão o calor especafico em uma amostra extremamente pequena e em condições extremas simulta¢neas: temperaturas próximas ao zero absoluto, altas pressaµes e intensos campos magnanãticosâ€, afirma Larrea. “Foi medido o calor especafico do antiferromagneto frustrado SrCu2(BO3)2, também conhecido como SCBO. Este material foi escolhido por ser um sistema puramente qua¢ntico, com interação entre spins, que são a representação da rotação do elanãtron, em geral associada ao magnetismo.â€
Condições extremas
A fim de atingir as condições necessa¡rias a medição, uma amostra do SCBO édepositada em uma pelacula, chamada de filme fino, e confinada em um volume laquido, colocado em uma canãlula de pressão. “Apa³s a aplicação da pressão, esta canãlula émontada em contato com um sistema de refrigeração de diluição de mistura de isãotopos de hanãlio, dentro de um criostato de hanãlio laquido, que pode atingir temperaturas muito próximas ao zero absoluto, que equivale a 273 graus Celsius negativosâ€, descreve o professor. “Este criostato também conta com uma bobina que permite aplicar o campo magnético de grande intensidade.†As medidas de calor especafico foram realizadas no laboratório do professor Henrik Ronnow, da Ecole Polytechnique Fanãdanãrale de Lausanne (EPFL), na Suaa§a.
Um grande desafio do experimento foi medir o calor especafico do SCBO em condições extremas simulta¢neas, o que não pode ser feito com sistemas comerciais de medição. “Nosso manãtodo consiste em trazer a medida do calor especafico da amostra, isolando-a do laquido e da canãlula de pressão, usando técnicas de calorimetria com aplicação de calor em corrente elanãtrica alternadaâ€, descreve o professor. “Primeiramente, montamos o calorametro nasuperfÍcie da amostra, colocada na pelacula atravanãs de deposição de resistências e terma´metros usando o estado da arte de deposição de filmes finos e da microeletra´nica, o que chamamos de ‘lab on the slab’â€.
“Em segundo lugar, reduzimos a perturbação ocasionada pelo ruado eletra´nico da instrumentação e do laboratórioâ€, explica Larrea. “Isso permitiu o envio de calor em forma alternada e modulada, como se fosse uma onda de calor se propagando na amostra, bem como a detecção de pequenos sinais eletra´nicos em temperaturas muito baixas devido aos efeitos qua¢nticos no calor especafico.â€
“Medir o calor especafico do SCBO sob simulta¢neas condições extremas foi como medir o calor de um nadador dentro de quatro piscinas olampicas, as mesmas que se encontram comprimidas em pressaµes 27 mil vezes maiores a pressão atmosfanãrica e campos magnanãticos 300 mil vezes maiores ao campo magnético da Terra, enviando um sinal de calor para o nadador desde fora das piscinasâ€, compara o professor. “Nossa abordagem de medir calor especafico com corrente alternada contribui para aprimorar os manãtodos de medição de propriedades físicas em sistemas puramente qua¢nticos.â€