Tecnologia Científica

Pesquisadores desenvolvem biofertilizante inovador e sustenta¡vel
Produto desenvolvido no Instituto de Quí­mica promete ser revoluciona¡rio. Puro, ata³xico, não bioacumula¡vel e luminescente, écapaz de enriquecer e aumentar produção de alimentos
Por Marcela D'Alessandro - 25/07/2019

Foto: AndréGomes/Secom UnB

Biofertilizante (vidro a  esquerda) desenvolvido no Instituto de Quí­mica épuro, ata³xico e luminescente, e permite fa¡cil adaptação a s necessidades de cada cultura

Produtividade alta, nada de resíduos e consumo ma­nimo de águae energia. Essas são algumas caracteri­sticas da nanoparta­cula desenvolvida por estudantes de doutorado e professores do Instituto de Quí­mica (IQ) da UnB, que promete ser uma revolução no mundo dos biofertilizantes.

Puro, ata³xico, não bioacumula¡vel e luminescente, esse produto écapaz de enriquecer alimentos com micro e macro nutrientes e aumentar as produções de diversas culturas. Em testes feitos com tomate e alface, por exemplo, houve ganho de cerca de 20% na produtividade.

“Temos algo puro [sem adição de outros compostos qua­micos] que pode ser produzido em larga quantidade”, afirma o professor de química inorga¢nica Marcelo Oliveira Rodrigues, que atualmente estãoem missão cienta­fica para o projeto intitulado Materiais com Luminescaªncia Persistente para Aplicação em Dispositivos Fotovoltaicos e Geração de Energia no Escuro, na Universidade de Nottingham, na Inglaterra, com bolsa da Coordenação de Aperfeia§oamento de Pessoal de Na­vel Superior (Capes). “Junto com o professor Daniel Zandonadi, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e o professor Jader Busato, da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterina¡ria da UnB, conseguimos entender como éo mecanismo dentro da planta, a rota bioquímica. Esse éum grande diferencial", completa. 

Segundo Rodrigues, com a nova tecnologia, o grupo observou incremento nas taxas de fotossa­ntese em cerca de 60% e aumento no lana§amento de raiz, que éo crescimento de novos ramos nas laterais da raiz original, que varia conforme a cultura osno caso do tomate, em torno de 130% e no do cacau, 60%. “a‰ um material de alta performance, leve e puro”, aponta.

O professor destaca ainda que hoje a nanoagricultura estãocentrada no uso de nanomateriais a base de polímeros, a³xidos meta¡licos, nanoparta­culas meta¡licas, como ouro e prata, que são ta³xicos para a biota osconjunto de seres vivos osterrestre e aqua¡tica e bioacumulam (no caso de frutas, acumulam por três a quatro gerações), além de dificultarem o processo de escalonamento, que éa produção industrial.

Com o material produzido na Universidade de Brasa­lia, esses problemas ficam para trás. “Ao longo dos anos, fizemos testes de toxicidade em peixes, camundongos, bactanãrias, fungos, insetos, larvas. Na³s conseguimos superar todos esses limites e hoje posso dizer que temos o bioestimulante mais potente do mercado”, garante Marcelo Rodrigues.

Outro diferencial do novo produto éo volume que deve ser aplicado nas plantas: como se trata de material puro, a quantidade émuito menor que o habitual. Os biofertilizantes atualmente utilizados no mercado, segundo o docente, são uma mistura complexa, que engloba extrato de microalgas, micro e macronutrientes, aminoa¡cidos. “Nãose sabe exatamente o mecanismo de ação desses produtos, o que estãoativando a fotossa­ntese etc.”, conta. “Por outro lado, conhecemos todos os mecanismos de ação da nossa tecnologia e isso facilita na hora de fazer ajustes na formulação visando potencializar ainda mais os efeitos. a‰ completamente diferente do que estãosendo vendido. a‰ revoluciona¡rio”, avalia o professor.

Os doutorandos Carime e Roganãrio integram a equipe que desenvolveu a nanoparta­cula 

PARCERIA osA nanoparta­cula foi desenvolvida nos laboratórios da UnB e validada pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecua¡ria (Embrapa). Quando escutou pela primeira vez as ideias de Marcelo Rodrigues, o pesquisador de solos e nutrição de plantas da Embrapa Hortalia§as Juscimar da Silva viu a oportunidade de desenvolver algo aºnico em conjunto com a equipe do IQ.

“Falei, brincando, que ta­nhamos um produto que, diante de suas propriedades, era como um sol dentro da planta. Ele recebe a luz que a planta não utiliza para fazer a fotossa­ntese e a emite naquele comprimento de onda de que ela precisa. E isso pode aumentar a eficiência fotossintanãtica”, explica Silva, que disponibilizou recursos de pesquisa do órgão e atuou ativamente junto ao grupo para desenvolver e atestar a tecnologia.

Especialista na área, o pesquisador da Embrapa ressalta as qualidades do produto diante do que háno mercado. “Além de funcionar ativando rotas metaba³licas secunda¡rias na planta que a ajudam a se desenvolver, com aumento de eficiência do uso da a¡gua, aumento da taxa fotossintanãtica, e, obviamente, um uso mais eficiente de nutrientes, também funciona como um carreador de outros nutrientes, então pode trabalhar a melhoria da nutrição humana. Essa multifunção do produto talvez seja o grande diferencial dele no mercado, junto com a explicação do mecanismo de ação.”

Carime Rodrigues, doutoranda de apenas 24 anos de idade, integra a equipe do Laborata³rio de Inorga¢nica e Materiais Professor Gilberto Sa¡ (Lima) do IQ, e vislumbra ainda outras possa­veis consequaªncias positivas com a aplicação da tecnologia desenvolvida por eles. “Nosso sonho éconseguir aumentar a produtividade de áreas desmatadas e, como temos experiência na área de engenharia desuperfÍcie da nanoparta­cula e também conseguimos introduzir nutrientes nos alimentos, isso teria impacto significativo na erosão alimentar”, projeta ela, que ébolsista da Capes. Erosão alimentar éo empobrecimento nutricional dos alimentos, que contam basicamente com carboidratos em sua composição.

“A ideia éenriquecer alimentos com micro nutrientes essenciais para o ser humano, como selaªnio, zinco. Reduzir um pouco a erosão alimentar e aumentar a nutrição humana”, completa Roganãrio Faria, que veio de Minas Gerais para cursar mestrado e doutorado na Universidade de Brasa­lia e tem bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cienta­fico e Tecnola³gico (CNPq).

O grupo do IQ acrescentou micro e macro nutrientes no biofertilizante criado por eles, testou em plantações e viu resultado. “Observamos lana§amento de raiz lateral, intensificação da clorofila (ficou mais verde)”, rememora Faria.

Com a validação da tecnologia pela Embrapa, o desafio passou a ser o escalonamento do que atéentão era apenas um experimento de bancada de laboratório. Assim nasceu a startup Krilltech, empresa pré-incubada desde 2018 no Centro de Apoio ao Desenvolvimento Tecnola³gico (CDT) da UnB.

Os sãocios são todos do Instituto de Quí­mica da UnB: os professores Marcelo Oliveira Rodrigues e Marcelo Henrique, e os estudantes de doutorado Ataa­lson Oliveira, Roganãrio Faria e Carime Rodrigues.

As patentes estãoescritas e em fase de depa³sito. O Ministanãrio da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações demonstrou interesse e estãoajudando nesse processo. Somente após a conclusão, a empresa podera¡ ir atrás do registro para comercializar o biofertilizante inovador.

“Essa tecnologia tem muito potencial para diversas áreas. Se nossa empresa der certo, vamos levar o nome da UnB para todos os lugares que conseguirmos alcana§ar, afinal a pesquisa foi toda desenvolvida aqui”, afirma Carime Rodrigues.

“Agora precisamos muito da ajuda da Universidade, porque buscamos um espaço para produzir”, conta. Segundo ela, háespecificidades em termos de legislação e alvara¡ para a produção de fertilizantes.

Para dar continuidade aos trabalhos, o grupo vislumbra a possibilidade de usar algum local dos outros campi da Universidade, pois o Darcy Ribeiro élocalizado no Plano Piloto, que étombado e, por isso, háimpedimentos para se ter uma fa¡brica de fertilizante. “Na³s produzimos em qualquer lugar, são precisamos do Espaço”, assegura a estudante.

Esta éa empresa do futuro”, afirma Marcelo Rodrigues.

SAašDE HUMANA osHa¡ cerca de sete anos, o grupo do IQ iniciou os estudos com nanotecnologia. Entre 2014 e 2015, o foco era o combate ao câncer por meio de drug delivery, o carreamento de fa¡rmacos para o tratamento da doena§a. Carime Rodrigues desenvolveu o vea­culo, que seria o transporte da anfotericina B osantifaºngico muito usado em casos de infecção hospitalar e de leishmaniose ospor meio da nanoparta­cula em questão.

Segundo a pesquisadora, a anfotericina, como éusada hoje, émuito ta³xica e os pacientes tem muitos efeitos colaterais, que também tem de ser tratados ose tudo fica muito caro no final. Ela aponta que, de acordo com estudos de 2016, o tratamento de um aºnico paciente por duas semanas com esse antifaºngico e outras medicações necessa¡rias chega a custar R$ 350 mil para o Estado.

Foto: AndréGomes/Secom UnB

Pesquisa com anfotericina B utilizava o mesmo carreador do biofertilizante.
“Batemos a  porta do Ministanãrio da Saúde, dissemos que ta­nhamos uma formulação menos ta³xica e muito mais barata de anfotericina, que écom esse carreador, essa nanoparta­cula, mas precisamos de dinheiro, porque esses testes são caros e precisamos fazaª-los em animais de manãdio porte e depois, em humanos. Mas a verba nunca chegou e isso faz anos”, relembra ela.

“Desenvolvemos uma formulação que reduz o custo do fa¡rmaco para US$ 10. Se comparar, no mercado custa em torno de R$ 40 mil. Infelizmente não conseguimos chegar na parte dos testes em humanos, porque toda a parte de pré-cla­nico tem que seguir o protocolo da Anvisa e tem que ser com laboratório certificado. Ficamos frustrados porque não conseguimos recursos para avana§ar”, conta Marcelo Rodrigues, orientador de Carime desde o mestrado.

Sem financiamento, os pesquisadores começam a mudar o olhar sobre suas descobertas. “Diante da possibilidade de esse vea­culo carrear um fa¡rmaco, pensamos: por que não carrear micro e macro nutrientes para uma planta? Seria menos burocra¡tico, pois a legislação émenos ra­gida no setor de fertilizantes. Então comea§amos a migrar esse vea­culo desenvolvido para aplicar na agricultura”, explica Roganãrio Faria. Assim decidiram fundar a startup KrillTech.

Mas atuar para aprimorar as condições da saúde humana ainda éum desejo do grupo, segundo Carime. “Ainda éum sonho, porque ninguanãm tem dinheiro para investir, mas temos esse ideal”, admite. “Temos esse sonho muito forte de ver nossa pesquisa tendo impacto social e fazendo a diferença. Infelizmente investimento paºblico édifa­cil. O andar da pesquisa já élento e se for esperar investimento paºblico, ela praticamente para.”

O professor Marcelo Rodrigues ressalta, poranãm, que para chegarem aos produtos que tem hoje e ao avanço tecnola³gico apresentado, contaram com financiamento paºblico. “Capes, CNPq, FAP-DF foram fundamentais para que consegua­ssemos desenvolver as primeiras pesquisas, entender como tudo funcionava e, a partir daa­, parta­ssemos para o escalonamento de processo e para a produção como temos hoje”.

MAIS NOVIDADE osO grupo segue nos laboratórios da UnB e trabalha já no desenvolvimento de outro produto: biopesticidas. “Para se ter uma ideia, em 24h, a depender da formulação, matamos 100% das larvas do mosquito da dengue”, revela. “Essa tecnologia vem sendo testada também contra fungos patógenos de interesse agrona´mico. Temos resultados expressivos.”

Para lana§ar essa inovação, professores e estudantes pretendem abrir outra startup. “Os testes são simples e já temos todos eles. a‰ questãode pedir registro do produto para colocar no mercado”, adianta Rodrigues.

 

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