Tecnologia Científica

UnB integra pesquisa global sobre nematoides publicada na Nature
Estudo internacional ajuda a entender processos ecola³gicos do solo e condia§aµes ambientais, como asmudanças climáticas. Professor do PPGFIT contribuiu com informaa§aµes em biomas brasileiros
Por Carolina Pires - 09/09/2019

Imagem: Laborata³rio de Nematologia da UnB 

Reprodução do nematoide herba­voro Radopholus similis extraa­da de microsca³pio.

O professor do Programa de Pa³s-Graduação em Fitopatologia (PPGFIT) do Instituto de Ciências Biola³gicas (IB) da UnB, Juvenil Enrique Cares éum dos quatro brasileiros a participar de uma pesquisa global, que envolveu 70 pesquisadores de 56 instituições de 25países. Da UnB, também participou a pesquisadora Larissa de Brito Caixeta, doutora pelo PPGFIT. Os resultados foram divulgados na revista Nature, considerada uma das mais renomadas e tradicionais publicações cienta­ficas do mundo.

Intitulado Soil nematode abundance and functional group composition at a global scale, o estudo determinou a abunda¢ncia dos nematoides no solo osque são invertebrados aqua¡ticos também conhecidos como vermes cila­ndricos ose a composição de grupos funcionais em todo o globo. Os nematoides compõem a biosfera, que éo conjunto de todos os ecossistemas da Terra.

Embora desempenhem um importante papel no funcionamento dos ecossistemas, existem atualmente poucos trabalhos que descrevem a quantidade e a distribuição espacial da comunidade desses seres. “A pesquisa foi motivada pela falta de conhecimento sobre os componentes da biosfera e o padrãode distribuição da biota do solo”, informa o docente Juvenil Cares.

O estudo da biogeografia dos grupos funcionais dos nematoides pode indicar diferentes tipos de informações sobre processos naturais ou condições ambientais, como asmudanças climáticas. Em função de suas caracteri­sticas de adaptabilidade e alta incidaªncia, os nematoides servem como bioindicadores ambientais, uma vez que vivem em comunidades multiespeca­ficas e apresentam sensibilidade diferenciada diante de estressores.

Segundo o pesquisador, os modelos de alta resolução validados na investigação, que indicam presena§a, número e função desses grupos, fornecem os primeiros passos para representar os processos ecola³gicos do solo em padraµes biogeoquímicos globais e permitira£o a previsão do ciclo elementar em cenários clima¡ticos atuais e futuros.

A importa¢ncia desse trabalho, na visão do docente, éque ele possibilita um para¢metro global e estimula a internacionalização: “Uma pesquisa de tamanha abrangaªncia são se viabiliza quando grupos de pesquisadores multinacionais se juntam em torno de uma coordenação”.

A gestãoficou sob responsabilidade do Instituto de Biologia Integrativa, na Sua­a§a, e do Instituto Holandaªs de Ecologia, na Holanda, onde também foram estabelecidos os bancos de dados e realizadas as análises que geraram os mapas de distribuição. 

Decana de Pesquisa e Pa³s-Graduação (DPG), Adalene Moreira ressalta que essa publicação demonstra que a pesquisa realizada na Universidade de Brasa­lia estãoinserida em uma cadeia de transformação do conhecimento. “Quanto maior o fator de impacto de um peria³dico, maior a visibilidade internacional. Como são 25países envolvidos, o resultado gerado ébastante robusto e de grande contribuição para a produção cienta­fica, sendo a divulgação potencializada em 25 vezes". 

NEMATOIDES osDe origem grega, a palavra nematoide significa em forma de fio. “Sa£o os animais mais numerosos do planeta Terra. Para se ter uma ideia de sua abunda¢ncia, de cada dez animais, oito são nematoides. No solo, podem existir até30 milhões de indivíduos por metro quadrado”, aponta.

Eles habitam todas as latitudes, bastando para sua sobrevivaªncia uma fonte de carbono orga¢nico. “Sa£o altamente resistentes e já existem hámais de 500 milhões de anos. Estão presentes nos oceanos, em ambientes de águadoce e nos solos continentais”. Em geral, são muito pequenos, tendo entre 0,2 a 2 mila­metros, mas alguns podem atingir 50 centa­metros e atémesmo oito metros, como a espanãcie Pacentonema giganta­ssima, o maior animal parasita.

A grande maioria, cerca de 75%, éconsiderada de vida livre e nutre-se de outros seres vivos, como de bactanãrias, fungos e atémesmo de outros nematoides. Mas parte deles parasita animais, inclusive o homem, e plantas. Taªm um ciclo de vida relativamente curto, de três a quatro semanas.

“Juntamente com os herba­voros, os nematoides de vida livre desempenham papel importante no solo, como na ciclagem de nutrientes e na regulação da população de microrganismos nesses ambientes”, menciona.

Estima-se a ocorraªncia de mais de um milha£o de espanãcies, mas menos de 30 mil são conhecidas. De acordo com Cares, isso se deve ao número relativamente baixo de cientistas que se dedicam ao tema em todo o mundo e também a  dificuldade de definição de padrãoglobal de taxonomia, de modo a refletir a história evolutiva dos nematoides.

DADOS PRINCIPAIS osO estudo utilizou, ao todo, 6.759 amostras georreferenciadas de todos os biomas terrestres. Os mapas de distribuição seguiram modelo geoespacial da plataforma de escala planeta¡ria de Ciências da Terra, Google Earth Engine. 
Imagem: Divulgação Nature
Distribuição das amostras coletadas na pesquisa e dados de abunda¢ncia.

Foram realizadas análises para o ca¡lculo da densidade populacional e de agrupamentos dos nematoides segundo seus grupos funcionais e levantamento da biomassa, bem como consumo, taxa de respiração e balana§o dia¡rio de carbono.

Os dados mostraram que a biomassa dos nematoides que habitam solos superficiais em todo o mundo chega a 0,3 gigatoneladas. “Considerando uma camada de 15 centa­metros do solo de todos os continentes, a população estimada equivale a 57 bilhaµes de nematoides para cada ser humano do planeta”, detalha Juvenil Cares.

As maiores taxas de abunda¢ncias estãonas regiaµes suba¡rticas (38%), temperadas (24%) ou tropicais (21%). Quanto aos na­veis entre os biomas, foi observado que as maiores densidades estãopresentes nas tundras (média de 2329 indivíduos por 100 gramas de solo seco) e florestas boreais (2159). Já as menores estãonas florestas mediterra¢neas (média de 425), Anta¡rtica (96) e desertos quentes (81).

NOVOS ACHADOS osO fato de a concentração dos nematoides ser maior na Tundra osda Amanãrica do Norte, Escandina¡via e Raºssia oscausou surpresa atémesmo para os pesquisadores, pois acreditava-se que a tendaªncia seria a mesma para os animais que vivem sobre asuperfÍcie do solo, que são mais abundantes nas regiaµes tropicais.

“Além da latitude, o fator determinante para a existaªncia desses organismos éo acaºmulo de matéria orga¢nica no solo, já que a decomposição émais lenta nas regiaµes mais frias”, esclarece o pesquisador da UnB. Poranãm, locais de temperaturas mais elevadas onde hágrande quantidade de matéria orga¢nica, como ocorre em áreas de floresta pantanosa da Amaza´nia peruana, também apresentaram altas taxas de sua presena§a.

O estudo mostrou também que os nematoides mobilizam grande quantidade de carbono. A concentração de carbono proporcionada pelos nematoides foi da ordem de aproximadamente 0,03 gigatoneladas, o triplo de estimativas anteriores e equivalente a 82% da biomassa humana total na Terra.

Esses resultados sinalizam que os nematoides de solo estãoentre os principais agentes responsa¡veis pela ciclagem do carbono em escala global. A rotatividade mensal éde cerca de 0,14 gigatoneladas de carbono no período de maior produção de biomassa global, das quais 0,11 são liberadas para a atmosfera, equivalentes a cerca de 2,2% das emissaµes totais de carbono pelo solo e a 15% das emissaµes pelo uso de combusta­vel fa³ssil.

Para o estudioso, isso éimportante para compreender a dina¢mica do carbono nasuperfÍcie terrestre e seu efeito diante dasmudanças climáticas em curso. “As variações regionais nessas tendaªncias globais também fornecem insights sobre padraµes locais de fertilidade e funcionamento do solo”, enfatiza.

TRAJETa“RIA DE PESQUISA osAtuando na área de Nematologia desde 1994, o professor Juvenil Cares já participou de outros importantes projetos de pesquisa, como o Conservação e Manejo Sustenta¡vel da Biodiversidade do Solo, entre 2003 e 2010.

Intitulado Bios Brasil, o projeto envolveu setepaíses, tendo sido financiado pelo Fundo Mundial para o Ambiente (GEF, na sigla em inglês), pelo Centro Internacional de Agricultura Tropical (Ciat) e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Unep).

Nesse caso, o grupo atuou especificamente na regia£o da Floresta Amaza´nica. Mas já foram realizadas atividades de campos em áreas de outros biomas, como o Cerrado, a Mata Atla¢ntica e Caatinga.
 
Desde então, diversas publicações vão sendo lascadas. Um exemplo de destaque éo Global Soil Biodiversity Atlas, obra publicada em 2015 e patrocinada pela Unia£o Europeia, que constitui a primeira sa­ntese da pesquisa global sobre a biodiversidade do solo e a importa¢ncia para o nosso mundo vivo.

 

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